sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Perguntas e Respostas A influência do etanol: a culpa na crise é nossa?

Biocombustíveis e alimentos




Em meio aos esforços do governo e de empresários brasileiros para promover o etanol combustível e minimizar as resistências ao produto na Europa, representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) fizeram duras críticas ao uso em larga escala dos biocombustíveis como alternativa às fontes de energia fósseis. Isso porque o etanol é relacionado por seus críticos ao aumento nos preços mundiais de alimentos. A suspeita já fez com que o mercado europeu se fechasse um pouco mais contra o combustível verde. O etanol americano, produzido com milho, seria um dos responsáveis pela alta dos preços dos alimentos no mundo nos últimos meses. O etanol brasileiro também pode ser apontado como um dos culpados? Entenda os argumentos de quem é contra e a favor do etanol - e também de que forma sua produção teria influência na inflação dos alimentos.


1.
A produção de etanol pode prejudicar a produção de alimentos no mundo?
2. Se isso acontecer, quais serão os efeitos?
3. De que forma o etanol estaria ligado à inflação nos preços dos alimentos?
4. Com base em quais argumentos a ONU tem criticado a produção do etanol?
5. O que dizem os países europeus sobre essa questão?
6. O que dizem as ONGs que criticam o uso dos biocombustíveis?
7. Quais são os principais países produtores de etanol?
8. Por que o etanol brasileiro tem mais vantagens do que o americano?
9. Qual é o limite máximo da produção para não prejudicar as outras culturas?
10. Na América Latina, quais países já se manifestaram contra o etanol?
11. De que forma o governo brasileiro tem contra-atacado os críticos do etanol?
12. Por que não se pode culpar somente os biocombustíveis pela dos preços dos alimentos?

1. A produção de etanol pode prejudicar a produção de alimentos no mundo?
Dificilmente, já que isso apenas aconteceria caso os países utilizassem a produção agrícola com fins energéticos em detrimento dos alimentos. Atualmente, o mundo produz mais alimento do que consome. Parte da alta de preços de alimentos no planeta pode ser atribuída à expansão da lavoura de milho voltada para a produção de etanol nos Estados Unidos. No Brasil, porém, são poucas as chances de isso ocorrer. Dos 355 milhões de hectares disponíveis para plantio no país, somente 90 milhões seriam adequados à cultura de cana, que atualmente ocupa apenas 7,2 milhões de hectares (metade deles para a produção de açúcar). Em São Paulo, por exemplo, a plantação de cana ocupou nos últimos anos o espaço de pastagens - sem que a produção de carne bovina tenha diminuído.

2. Se isso acontecer, quais serão os efeitos?
A redução das superfícies destinadas aos alimentos contribuiria para o aumento dos preços dos mantimentos. O que tem mais chance de acontecer, porém, é um deslocamento das lavouras à medida que a cana dominar os espaços antes ocupados por outras culturas. Pode haver ajustes de preços regionais por causa de mudanças na logística de abastecimento. Não se pode, contudo, desprezar o fato de que os avanços da tecnologia agrícola poderão prover grandes aumentos de produtividade nos próximos anos. E que as nações ricas poderão eliminar barreiras e subsídios que sufocam a produção nos países pobres.

3. De que forma o etanol estaria ligado à inflação nos preços dos alimentos?
O principal problema tem relação com o etanol produzido nos Estados Unidos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a produção de etanol americana é responsável por metade do aumento da demanda mundial de milho nos últimos três anos. Isso aumentou o preço do milho e o preço das rações. Dessa forma, aumentam também os custos de produtos bovinos e suínos, já que o milho é usado em rações animais. De acordo com o Departamento de Agricultura, o mesmo ocorreu com outras colheitas - principalmente soja - quando os produtores decidiram mudar seus cultivos para o milho.

4. Com base em quais argumentos a ONU tem criticado a produção do etanol?
Segundo o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, a produção em massa de biocombustíveis representa um "crime contra a humanidade" por seu impacto nos preços mundiais dos alimentos. Isso porque as terras que deveriam ser usadas para a produção de alimentos serão supostamente destinadas ao plantio das matérias-primas para a fabricação de etanol. Em outubro do ano passado, Ziegler elaborou um relatório para pedir uma moratória de cinco anos na produção do etanol. Durante esse período, os governos precisariam avaliar os impactos sociais, ambientais e de direitos humanos que a produção de etanol geraria.

5. O que dizem os países europeus sobre essa questão?
A Comissão Européia já indicou que vai propor a supressão das subvenções para os cultivos destinados à produção de biocombustíveis. Vários dirigentes europeus manifestaram preocupação com a utilização da produção agrícola com fins energéticos ao invés de alimentos. Entre eles está o ministro da Agricultura da França, Michel Barnier, que disse: "A produção agrícola com fins alimentares deve ser claramente prioritária".

6. O que dizem as ONGs que criticam o uso dos biocombustíveis?
As ONGs passaram a acusar o etanol de roubar espaço dos alimentos no campo e dizem que os usineiros do Brasil querem avançar a área de plantio de cana na floresta amazônica, o que contribuiria ainda mais para o desmatamento. No exterior, a ONG britânica Oxfam afirma que o etanol é uma ameaça para milhões de pessoas dos países em vias de desenvolvimento, vulneráveis ao encarecimento dos alimentos básicos como os cereais. A Oxfam se baseia em um estudo do International Food Policy Research Institute, segundo o qual a demanda de biocombustíveis é responsável por aproximadamente 30% dos últimos incrementos do preço dos alimentos. Essa variação repercute, sobretudo, nos mais pobres do mundo, que dedicam à comida entre 50% e 80% de sua receita, o que significa que qualquer aumento nos preços reduzirá o consumo de alimentos e aumentará a fome.

7. Quais são os principais países produtores de etanol?
Brasil (cana-de-açúcar), Estados Unidos (principalmente milho, mas com boa perspectiva de chegar primeiro ao etanol de celulose), Canadá (trigo e milho), China (mandioca), Índia (cana, melaço) e Colômbia (cana e óleo de palma). A Alemanha produz metade do biodiesel do mundo.

8. Por que o etanol brasileiro tem mais vantagens do que o americano?
As principais críticas dizem respeito ao modo de produção. O etanol americano é feito a base de milho e conta com fortes subsídios por parte do governo do país. Para entrar nos Estados Unidos, o etanol brasileiro enfrenta uma tarifa de 0,54 dólares. Além disso, o etanol feito de milho contribui para o aumento do preço do cereal e tem um peso negativo diante da atual inflação de alimentos. O etanol brasileiro tem ainda outras vantagens. A primeira é a limpeza. Para cada litro de gasolina utilizado na lavoura ou na indústria, são produzidos 9,2 litros de etanol. No caso do etanol de milho, essa relação cai para 1,4 litro de etanol para cada litro de combustível fóssil empregado no processo. A segunda é a produtividade. No Brasil, são produzidos 7 500 litros de etanol por hectare plantado de cana. No caso do milho, cada hectare produz 3 000 litros.

9. Qual é o limite máximo da produção para não prejudicar as outras culturas?
Em tese, há ainda 77 milhões de hectares a ser ocupados no Brasil sem afetar o espaço dedicado a outras culturas. Atualmente, a cana-de-açúcar ocupa 7,2 milhões de hectares, menos do que a soja (21 milhões) e o milho (14,4 milhões).

10. Na América Latina, quais países já se manifestaram contra o etanol?
Bolívia, Cuba e Venezuela. Havana chegou a propor que a ONU comece um estudo para avaliar até que ponto o etanol, tanto de milho como de cana-de-açúcar, afetam a produção de alimentos no mundo, O presidente boliviano Evo Morales foi um dos principais defensores da moratória de cinco anos para a produção de etanol proposta pela ONU. Já o líder venezuelano Hugo Chávez teme que o crescimento do etanol no mercado internacional possa prejudicar as exportações venezuelanas de petróleo - commodity da qual o país do caudilho é um dos principais produtores. Para diplomatas da ONU, o temor desses países é de que o etanol leve o governo americano a ter maior influência sobre os governos da América Central.

11. De que forma o governo brasileiro tem contra-atacado os críticos do etanol?
Quanto às críticas cubanas, o Brasil explicou a Havana que o etanol já é produzido por aqui há 35 anos e isso nunca implicou uma redução da área destinada à agricultura. Além disso, o Planalto convidou os cubanos a fazer uma visita ao Brasil para conhecer a produção de cana e propôs um plano de cooperação com Cuba para melhorar a qualidade da cana produzida na ilha, para que Havana também possa fabricar etanol. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito uma defesa ferrenha do etanol em viagens pela Europa. Sua estratégia envolve o apoio de empresários brasileiros do setor sucroalcooleiro, interessados em atrair investimentos europeus. Lula acusou o relator especial da ONU, Jean Ziegler, de não conhecer a realidade brasileira, o que é verdade. O sociólogo suíço é um socialista radical que há muito tempo critica o etanol como se não houvesse outras razões para o aumento dos preços. O presidente chegou a dizer que acusar a produção de biocombustíveis como responsável pelo aumento da inflação é "uma falácia, uma mentira deslavada". Para Lula, os preços dos alimentos têm subido porque "os pobres do mundo começaram a comer".

12. Por que não se pode culpar somente os biocombustíveis pela dos preços dos alimentos?
O que está acontecendo no mundo é um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos. Isso ocorre porque houve um crescimento explosivo da demanda entre os consumidores dos países emergentes, cuja renda per capita cresceu muito nos últimos três anos. Além disso, a oferta diminuiu devido às secas. Nos últimos três anos, houve secas tão profundas no sul do Brasil que perdemos 40 milhões de toneladas de grãos. O problema ocorreu também em outros países, como Austrália e Ucrânia. A diminuição da oferta e a demanda crescente tiveram como conseqüência imediata o aumento dos preços.

Disponível em: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/biocombustiveis_alimentos/index.shtml - acesso em 11/02/2011.

G-20, O ESPETÁCULO DA SOBERANIA

Aquilo que o ministro Guido Mantega define como guerra cambial é a paisagem superficial da longa crise do sistema de Bretton Woods. O desequilíbrio entre os superávits chineses e os déficits americanos forma o relevo destacado nessa paisagem, mas não a esgota nem a explica. A crise de fundo tem uma dimensão econômica mas uma raiz geopolítica. No fim das contas, as engrenagens institucionais da ordem econômica global parecem emperradas, pela primeira vez desde o pós-guerra. O G20, palco da estreia de Dilma Rousseff na cena internacional, não é a ferramenta milagrosa de solução da crise. Antes, figura como uma expressão singular do impasse evidenciado desde a quebra do Lehman Brothers.


Na sua versão original, o edifício de Bretton Woods praticamente excluía a necessidade de interferência política no sistema monetário. O dólar refletia o ouro, que lhe servia de lastro nominal, e uma coleção de moedas orbitava em torno do dólar segundo um mecanismo de paridades quase fixas. As fundações do edifício estavam assentadas na rocha da escassez de dólares, num tempo em que os EUA eram os credores do mundo. O arranjo promoveu as três décadas gloriosas de crescimento acelerado das economias de mercado. Voluntariamente, para salvar o capitalismo, os EUA ajudaram a criar centros independentes de poder econômico, sacrificando no caminho a posição de hegemonia absoluta adquirida durante a guerra. 
Quando a escassez de dólares desapareceu, premido pelo financiamento da Guerra do Vietnã, Richard Nixon levantou a âncora da paridade com o ouro. Bretton Woods 2 não emanou de uma conferência, mas de um gesto unilateral do gerente do sistema: a retomada da prerrogativa soberana de imprimir moeda. No novo ambiente de flutuação cambial, a interferência política dos principais atores tornou-se um imperativo. O G5 e o G7, seu sucessor, nasceram como respostas à necessidade de tecer consensos em torno da governança econômica global. Eles operaram como um clube seleto, que compartilhava uma visão de mundo similar e tomava decisões informais em reuniões fechadas, protegidas do assédio da imprensa.


Desde 1971, os EUA agem de olho nas suas prioridades nacionais, dividindo com o resto do sistema internacional o custo das políticas domésticas. A desvalorização de Nixon difundiu para o mundo as pressões inflacionárias geradas no interior da economia americana. Dez anos depois, a “revolução econômica” de Ronald Reagan provocou a elevação dos juros globais, o desvio da liquidez mundial na direção de Wall Street e uma forte apreciação do dólar. Poucos anos mais tarde, tornou-se inadiável uma brusca correção de rumo, com a depreciação do dólar frente ao marco e ao yen, algo que demandava a aquiescência da Alemanha e do Japão. Washington obteve o que desejava no Acordo do Plaza de 1985, uma prova indiscutível da eficácia política do clube das potências.  


Há dois anos, os EUA buscam uma reedição do Acordo do Plaza, sob a forma de um pacto de limitação de superávits ao máximo de 4% dos PIBs nacionais, o que implicaria forte apreciação do renminbi chinês. A proposta faz sentido, mas não decola, pela conjunção de dois motivos. Um: a China não admite reproduzir a função desempenhada pelo Japão há um quarto de século. Dois: o G20 não é um G7 ampliado.


Os chineses temem repetir a trajetória do Japão depois do Plaza, quando o influxo de capitais coagulou-se em bolhas especulativas nos mercados de imóveis e ações, que explodiram na crise financeira de 1990 e redundaram numa estagnação de quase dez anos. O consenso interno em torno do renminbi depreciado estende-se do núcleo dirigente do Partido Comunista, que resiste a conferir direitos econômicos à população, até as empresas transnacionais estabelecidas no país, que funcionam como plataformas de exportações.


O G20, consolidado após a quebra do Lehman Brothers, reflete o declínio relativo dos EUA e a multiplicação dos centros de poder econômico gerados pela globalização. Ele não é um clube, mas um fórum. Seus integrantes, especialmente a China, não compartilham a visão de mundo que moldou o sistema de Bretton Woods. Suas reuniões, escancaradas ao escrutínio público, são teatros do espetáculo da soberania. Hoje, em Seul, chineses, alemães, brasileiros e sul-africanos erguerão suas vozes para acusar os EUA. Todos eles estarão de olhos postos nas manchetes dos telejornais e das publicações impressas.


A decisão do Federal Reserve de inundar o mercado com uma torrente de US$ 600 bilhões assinala um ponto de inflexão. Os EUA cansaram de esperar e resolveram mudar unilateralmente o cenário mundial. A China retrucou num tom incomum, anunciando que erguerá uma “muralha de fogo” contra o ingresso de capitais especulativos. A guerra cambial assume a configuração de um confronto político e ameaça converter o G20 em praça de combates. Em meio aos disparos, o governo brasileiro transforma a justificada indignação com a iniciativa americana em pretexto para circundar o debate sobre a conexão entre os gastos públicos, as taxas de juros e a apreciação do real.
Uma falência do G20 não serviria a nenhum dos atores de uma ordem econômica global que precisa da “mão visível” da política para conservar alguma estabilidade. Mas o espetáculo da soberania, por sua própria dinâmica, pode desandar em guerra cambial e comercial, arrastando o mundo pela ladeira da depressão. Hoje, só o FMI, que faz  reuniões fechadas, propícias à separação entre a soberania e seu exercício espetacular, tem as condições políticas para exercer a mediação entre as potências do G20. Depois dos retumbantes fracassos dos anos 90, o FMI pode encontrar um novo papel útil nessa função de intermediação. Se isso acontecer, o Brasil de Dilma Rousseff reconhecerá na antiga instituição de Bretton Woods um parceiro insubstituível. Ironias da história.
Por Demétrio Magnoli - Disponível em www.clubemundo.com.br - Acesso em 11/02/2011.